A porta está à espera como uma língua retorcida
Como serpentes feridas e esmigalhadas
Pelas forças dos cascos das éguas arredias
A porta entreaberta de som e luz
Convida-nos a todo o momento para abri-la
Não adianta adiar a hora
Ou roubar os ponteiros do relógio da catedral
A água escorre lá fora lenta
Cavalos cavalgam no mar e ameaçam invadir as cidades
Os bares e esquinas cheios de poentes não morrem
E os bairros e barris explodem de uma multidão insana
Com os dedos comidos e estômagos vazios
E a porta está à espera
Não antecipe a tua morte como já dizia o poeta
Haverá o momento de enfrentá-la
Abrirá aos poucos com golpes de navalha
Colhe tua mão o que pode se é que pode
Em certas horas eu oro em vão
Sou um marujo estranho entre meus pares
Não compreendo a ti e nem a mim ou Deus
A porta apenas espera
Mas o que há além da porta
Da janela eu olho lá fora
As plantações adormecem na terra vermelha
E os homens cavam incansavelmente a terra quieta e extraem mel
Eu me pergunto por que não fujo no dorso de Pégaso
Adiantaria eu fugir nos braços e nas pernas de uma prostituta
E as casas exalam o sexo reprimido e fenecem e fedem
Adiantaria fugir entre os alucinógenos do xamã
Sentei a mesa para tomar o inútil café
O céu estava encurvado como num quadro de van Gogh
Todos ainda dormiam
Alguma esperança vazia e nula me trouxe aqui
Poderia ser Jó e caminhar dez léguas e nada mudaria isto
Um pedaço de lembrança dentro de mim dança
O que há depois da porta
Fulanos
Carros
Sapatos
Eu vou atravessar a rua e parar diante de um semáforo
Jornais lêem velhas notícias
É dezembro e inicia a estação das chuvas
É triste as mãos desocupadas não criaram nada
Há pão sobre a mesa e também um pouco de manteiga
Na estante adormece um livro que nunca vou ler
O silêncio acorda dentro de mim
É preciso esmurrar a porta
Nesta manhã eu estou sentado tomando o inútil café
Sem relógio e sem casaco
Sobretudo eu noto a porta
E a vejo em todos os lados
Alex Zigar