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quinta-feira, 6 de maio de 2010

Poema - A Porta

[Imagem por Aaron Jack]


A porta está à espera como uma língua retorcida
Como serpentes feridas e esmigalhadas
Pelas forças dos cascos das éguas arredias
A porta entreaberta de som e luz
Convida-nos a todo o momento para abri-la
Não adianta adiar a hora
Ou roubar os ponteiros do relógio da catedral

A água escorre lá fora lenta
Cavalos cavalgam no mar e ameaçam invadir as cidades
Os bares e esquinas cheios de poentes não morrem
E os bairros e barris explodem de uma multidão insana
Com os dedos comidos e estômagos vazios
E a porta está à espera

Não antecipe a tua morte como já dizia o poeta
Haverá o momento de enfrentá-la
Abrirá aos poucos com golpes de navalha
Colhe tua mão o que pode se é que pode

Em certas horas eu oro em vão
Sou um marujo estranho entre meus pares
Não compreendo a ti e nem a mim ou Deus
A porta apenas espera
Mas o que há além da porta
Da janela eu olho lá fora
As plantações adormecem na terra vermelha
E os homens cavam incansavelmente a terra quieta e extraem mel
Eu me pergunto por que não fujo no dorso de Pégaso
Adiantaria eu fugir nos braços e nas pernas de uma prostituta
E as casas exalam o sexo reprimido e fenecem e fedem
Adiantaria fugir entre os alucinógenos do xamã

Sentei a mesa para tomar o inútil café
O céu estava encurvado como num quadro de van Gogh
Todos ainda dormiam
Alguma esperança vazia e nula me trouxe aqui
Poderia ser Jó e caminhar dez léguas e nada mudaria isto
Um pedaço de lembrança dentro de mim dança

O que há depois da porta
Fulanos
Carros
Sapatos
Eu vou atravessar a rua e parar diante de um semáforo
Jornais lêem velhas notícias
É dezembro e inicia a estação das chuvas
É triste as mãos desocupadas não criaram nada
Há pão sobre a mesa e também um pouco de manteiga
Na estante adormece um livro que nunca vou ler
O silêncio acorda dentro de mim
É preciso esmurrar a porta

Nesta manhã eu estou sentado tomando o inútil café
Sem relógio e sem casaco
Sobretudo eu noto a porta
E a vejo em todos os lados


Alex Zigar

5 comentários:

  1. Muito bom Alex! Uma porta fechada é sempre um enígma,não é?

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  2. Obrigado Dulce pela visita e pelo comentário. Seja bem-vinda as letras destoantes! Realmente a incerteza do futuro é motivo de muito temor. Quantas notícias de catástrofes nós não ouvimos, vemos ou lemos? Seja sobre o fim dos tempos ou a incerteza política de um novo governo ou mesmo os anos duros da velhice. O fato é que nunca saberemos o que o amanhã trará, se é que trará.

    Mais uma vez obrigado pelo carinho.

    Abraços!

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  3. Um texto por demias surreal e creio que até onírico se interpretei bem.

    Lembrou-me um pouco Machado de Assis em Memória Póstumas quando o narrador-personagem contou de maneira tão feérica um devaneio que teve enquanto enfermo.
    Belo texto, amigo.
    Pior é que temos nós que, todos os santos dias, dar de cara com a porta que sempre está lá firma e sólida e pode abrir-se a qualquer momento.

    Ótima postagem!
    E parabéns pelo Blog e pelos dotes poéticos!
    Até mais!

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  4. Perfeitamente, João. Este foi um dos textos mais difíceis e carregados de metáforas de minha autoria. Surgiu-me como num sonho, quando certa vez, numa manhã, olhei para uma entrada e os raios de sol refletiam imensamente aquele ponto, impendindo assim que se avistasse além da porta. Comecei a questionar o que havia lá, atrás daquela entrada? É um poema que trata do medo que temos da vida e do nosso futuro.

    Agradeço os elogios mais uma vez... Acho que não mereço tantos.

    Abraços

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  5. Parabéns pelo belo poema! Reproduzi parte dele no meu fotolog, com os devidos créditos. Sei que deveria ter perguntado antes, mas por favor, se for um incômodo eu o retirarei.

    http://www.fotolog.com.br/mizunosama

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