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terça-feira, 27 de abril de 2010

Poema - Elegia 2008

Vincent van Gogh (1853 - 1890)
Campo de trigo com corvos (1890)
Óleo sobre tela, 50,5 x 103 cm
Van Gogh Museum, Amsterdã


A tua dor não para os motores
As engrenagens dilatam o teu suor
A tua agonia salga o açúcar do teu remédio
A morte é o silêncio que ninguém explicou
E o silêncio cala a noite
E existem dias mudos

Compreendes que é homem
Com dois pares de sapatos apenas
E que caminhas só
E já não pode se matar
A tua dor é igual à de milhões
Escondido sofres em silêncio

E ninguém viu o que fizeste
Se tua mão enrugou
Ou se teus pés invadiram terras
O amor evaporou em tarde amargas
E tudo é alheio e estranho
Atravessas o desconhecido
Carregando uma cruz que não é tua
As portas estão fechadas
E ninguém avisou
Que os melhores poemas nascem da dor

Ninguém ouviu tuas ideias
Que caminham lentas e mortas
Como folhas tolas desprendidas
Do alto de um galho enrugado
E há corredores abandonados
E estradas obscuras
Que não levam a parte alguma
Encontras com teus velhos desejos
E com os sonhos patéticos já esquecidos
E dialogas com eles calado

E tu vês só agora
Que as coisas envelheceram um pouco
E nada fizeste durante estes anos
Apenas suportaste a agonia de ser homem
E percebeste que o teu coração não mudou o mundo
Mas o mundo mudou teu coração
Mesmo que tu não quiseste
Aceitas por fim o que existe e dorme

Alex Zigar

4 comentários:

  1. "Escondido sofre em silêncio... Apenas suportaste a agonia de ser homem"
    Descreveste mais do que um ser sozinho, descreveste todos os nossos momentos de não-adaptação! Toda a nossa misantropia! Ninguém por perto, apenas a certeza de que tudo não parece ter saída mesmo... Pasta Favoritos!

    ;)

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  2. Luciana, mais uma vez obrigado pelas palavras. Seus comentários são incentivos permanentes para que eu escreva sempre mais.

    Ótima semana!

    Abraços

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  3. Oi Alex...O que me impressiona nesse poema é que parece que há muitos, muitos anos (e desilusões) nas costas de quem o canta.Mas...seria mesmo um velho perto do fim, ou seria o jovem sentindo o enorme peso dos primeiros e mais duros anos (pois as primeiras experiências são insuportavelmente fortes)? Não sei, mas certamente senti deslocamento e decepção.
    Aguardo seus próximos poemas! Sempre gosto de espiar o que acontece por aqui.
    Abraço!

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  4. Rosa, agradeço mais uma vez o carinho e a visita. Não gosto muito de explicar meus poemas, deixo para esta função os leitores e os críticos (se é que existem). Gostos de como as pessoas lêem o poema e como elas o interpretam. E você tem uma maneira peculiar de sentir. Adoro seus comentários por isso. Apenas confesso que este poema é um diálogo com “Elegia 1938” de Drummond, que fala de uma “Grande Máquina”, do “Mundo Caduco” e do capitalismo tão injusto. Sem dúvida, é um poema de desilusões.
    Obrigado mais uma vez
    Abraços!

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